segunda-feira, 29 de outubro de 2018

27-10-2018 Práticas corporais e artísticas, aprendizagem inventiva e cuidado de si - LIBERMAN, Flávia et al.





Boas Vindas ao Alexandre (já graduado), Talita (4º semestre) e ao Leonardo (já graduado).

TEXTO:  LIBERMAN, Flávia et al. Práticas corporais e artísticas, aprendizagem inventiva e cuidado de si. Fractal: Revista de Psicologia, v. 29, n. 2, p. 118-126, maio-ago. 2017.

Sugestão audiovisual: Filme “Gênio Indomável” (1997).

O encontro de hoje foi coordenado pelo Vitor-Moska, que iniciou dizendo que o texto trás a abordagem do Corpo e a Arte na prática e o resumo realizado sobre o texto foi elencado duas provocações:
Provocação 1: “Tendo em mente que para Foucault o cuidado de si é um conjunto de práticas e técnicas que não se restringem a uma relação individual, mas, neste movimento, a relação com o outro, é possível identificarmos a leitura dos textos, debates e reflexões propostas no território do grupo como práticas de cuidado de si? Se sim, conseguiríamos aferir essa postura para além do momento do grupo? Ou seja, fora do espaço tempo/geográfico que o grupo acontece, poderíamos aferir vestígios dessa prática na nossa relação com os outros? ”.
Respondendo a primeira provocação, Elder iniciou falando que o pensamento acontece constantemente, que ele veio de uma educação de reprodução. A grande inquietação sobre esse cuidado de si que esta na extensão do contato com o outro, e Rubens diz que o que pensamos está na relação com o social, a criação a partir do externo/o, do fora.
Partindo para a visualização do texto em si, as autoras são da área da saúde e a problematização esta no relacionar com a nossa área, podendo visualizar a recognição como um processo didático e a aprendizagem inventiva sendo um momento que acontece. E o decorrer do texto se da por meio de relatos.
E para dar sequência Vitor menciona a Provocação 2: “Pensando nas experiências de cada um e uma ao ministrar (ou participar de) aulas de Educação Física no contexto escolar, a partir dos relatos apresentados pelas autoras, como seriam as propostas para a Educação Física alinhadas a essa perspectiva de aprendizagem?”.
João diz que ao ver através dos encontros, pensando no propiciar e deixarem acontecer. E Monique continua, mas se vai haver os encontros como ter e ser programado uma aula? E daí elencasse que não dá e não tem como didatizar a subjetividade de alguém. Se aproximando com um dos referenciais das autoras, Vitor diz que quando relacionamos a Educação Física com o habito podemos ter como exemplo uma atividade: o propor para “alguém” que faça uma mímica e os outros, reconhecer a prática corporal que ela está gesticulando. Exemplo, futebol, chutando uma bola, e como resposta de todos a mobilização para sensibilizar esse habito e o processo de reconhecer essa prática entra como a recognição, a partir de reconhecer a prática e Rubens, o habito esta na observação que gera um comportamento em mim que é o habito. O que é cabível observar, que se existisse duas ou mais pessoas simularia de formas diferentes, e se é construído e passível de uma desconstrução.
Observando assim que o tabular como ser, congela o que desejaria. Próximo exemplo foi o futebol de cabeça, mostrando somente o vídeo (A bola jlkunahaty- futebol de uma etnia indígena) para a pessoa que iria realizar a mímica, analisando assim que isso não é um habito nosso e esses hábitos constroem os sujeitos pertencentes ao meio.
No desenvolver do texto e dentro de um relato, ocorre a utilização do mercado como a quebra da aprendizagem inventiva, deixando de ter a potência de si, continua Rubens, se discute cultura generalizou e quanto a aprendizagem ela é singular, ou seja, ao ver o que é afetado e a escola faz o inverso, querendo uniformizar/automatizar, não que que de alguma maneira isso não seja importante “cultivamos e compartilhamos... da humanidade” , mas impede o afeto para que produza novas formas de ser sentir. Para dar continuidade sobre a automatização e o afeto, Vitor faz a pergunta: em que momento você aprendeu a ler? E dá o seu relato, de que aprendeu a ler na placa do cemitério que viu na rua, ou seja, a partir do contato com aquilo, que faz parte da aprendizagem inventiva que foi um momento. O entender que na escola havia uma repetição mecânica para que houvesse a leitura, mas não sabia e quando se viu na situação aprendeu/aconteceu que foi o momento.
Mas a necessidade de cautela com o tema aprendizagem inventiva, que o grupo esta apenas no inicio e Rubens diz que constroem conceitos para operar, inventando como queremos para que as coisas aconteçam, mas tudo é um caos, e na área acadêmica, entra com as palavras jogadas ao vento e a linguagem ser diferente, caindo assim no congelamento de si próprio de cada coisa que se criou.
E Vitor salienta que usou a leitura como o efeito do texto nele e foi conectando com momentos. Para dar continuidade nas problematizações práticas e o lançar questões que potencializam a questão de desconfiar, Vitor passa o vídeo redball, é praticado na Europa central, um esporte que todo gol é de “bicicleta”. E com esse momento Leonardo recapitulou alguns momentos, nas ações que não são direcionadas está os encontros, assim mudando o foco, a criança esta em outro meio/mundo, exemplo, no horário do intervalo é o momento que se expressam, que existe a interação, uma movimentação.
Havendo a conexão Rubens diz o como colocar em prática que vem do controle e da experimentação, o professor vai escrevendo em vida de acordo com uma serie de coisas que vai se dando nos acontecimentos, uma hora é controlador e a outra propiciando experimentações e encontros, mas não podemos esquecer que a recognição é necessária, mas que não seja permanente.
Com mais especificidade o cartografar os movimentos, mas não a realidade em si, um guia para si, no seu raciocínio, não uma verdade e sim como você vê, nem a própria pessoa pode ter o controle de tudo que esta em ação/nos mesmos, impossível padronizar, só diz como nos vemos e como se assemelham as coisas, um processo da ordem do imprevisível. Continua Vitor só o buscar pistas, e propostas que desafiem o que já possuímos como o aprendido e afinal tudo está em uma cultura.
Mas o desafio maior encontra-se, quando você lança a experiência para quem quer, tem o prazer, mas existem aqueles que não querem, tem crianças que já foram capturados pela máquina social e está na recognição existente e romper com esse domínio, eles não aceitam. E o problema esta no como sair desse NÓ?
Um grande dilema pedagógico. Por exemplo, o ato de escrita é um efeito que vai modificando a própria subjetividade/enquanto composição de subjetividade e possuem discursos que afetam tudo sendo uma ficção e nada corresponde a verdade. Associando o todo com o filme, destaca-se “viver é diferente de ler sobre”, a liberdade como a potencia de vida e as ações nas escolas as que matam. Entendendo que a ação de relacionar o texto com o filme esta na pergunta: Quais os efeitos que o filme produz em você? O semear, jogar as coisas e ver o que acontece, não é aprender como e sim com, colocando pistas, sinais, signos para que haja o contato. Não há controle e sim ideais de como trabalhar nessa área, quanto a áreas que matam a potencia e outras favorecem a potencia. O aprender de forma aleatória sem haver uma ordem. Para finalizar o grupo, Rubens elencou:
- Quais seriam os limites para aprendizagem inventiva, ou seja, que não há ferramentas para utilizar, 1- desenvolvimento motor baseado na filosofia da diferença/respostas motoras (pensamento e corpo = uma mesma coisa); 2- a memória; 3- qual papel do corpo?; 4- inteligência; .... Entendendo que está ocorrendo o desbravamento de uma aprendizagem que não é muito estudada nem por psicólogos.   
- O TEXTO SUGERIU FORMAS DE FAZER A RODA GIRAR!!!:
                                           


                                               APRENDIZAGEM        

        PROBLEMATIZAÇÃO            CORPO                HÁBITO (um ciclo contínuo)
 


                                                ENCONTRO (fora-dentro, contemplação/ação)
                           SIGNOS

- Princípios Didáticos:
·         Experimentação (fluxos/atravessar de outras maneiras);
·         Modulação do controle (um momento controla e outro não);
·         Sensibilidade as potências (passagem para criação de vida/novas ideias);
·         Articulação macro-política com as máquinas sociais instituições (problema ou princípio? - Limite o que fazer com isso);


Práticas corporais e artísticas, aprendizagem inventiva e cuidado de si.
Flavia Liberman; Elizabeth Maria Freire de Araújo Lima; Viviane Santalucia Maximino; Yara Maria de Carvalho
Resumo de Vitor de Castro Mello

            Na esteira das discussões propostas nos encontros anteriores, o texto traz à baila o tema aprendizagem buscando, a partir de 3 fragmentos de relatos de prática, tecer possibilidades de se olhar para a formação na área de saúde, empreendendo no desafio de desarticular uma determinada função social de “tratamento de pessoas” para um lugar de escuta, produção de conversa e, em última instância, produção de afetos, inspiradas pelas proposições de Kastrup (2010) com a Aprendizagem inventiva, Foucault (2006) e o cuidado de si e Dewey (2010) acerca da experiência estética.
            Vale ressaltar que o texto não se resume a esses autores e autora tão pouco aos conceitos descritos, entretanto, na leitura que fizemos, acreditamos serem tais conceitos balizadores do entendimento acerca das proposições apresentadas pelas autoras.
           
Aprendizagem Inventiva, experiência estética e cuidado de si

            Assim como descrito por Kastrup (2010), a aprendizagem inventiva se trata de uma concepção de processos que levam a uma aprendizagem. Difere-se do processo de recognição (como vimos em Gallo (2017) e Kastrup (2001)) justamente por não pressupor um reconhecimento, caracterizado pela assimilação do conhecimento anterior (prévio) e sua possível utilização na vida prática.  Trata-se, portanto, de uma experiência problematizadora, instigando o sujeito a criar situações e pensamentos ao invés de apresentar respostas a problemas já existentes.
            A experiência da problematização é aquela que acontece quando os esquemas da recognição são inadequados ou impotentes para assimilar o que se nos apresenta, trazendo um intuito cognitivo, pois pode produzir deslocamentos, suspendendo atitudes naturais e produzindo um processo de Aprendizagem Inventiva (SANCOVSCHI; KASTRUP, 2013).
            O conceito de experiência estética de Dewey também nos ajuda a pensar o lugar da arte na Aprendizagem Inventiva. Associando os processos artísticos a situações cotidianas, Dewey traz a concepção de arte como experiência e afirma que, embora muito do que é vivido no cotidiano possa ser perdido, quando a experiência não é interrompida, um fluxo de pensamentos e sensações conduz a pessoa a um estado distinto do estado anterior, fazendo com que esta seja uma experiência estética, marcada por emoções e sensações intensas, que não se dissipam e não são facilmente esquecidas (DEWEY, 2010). A experiência faz aparecer uma nova configuração que é produção de território existencial com as matérias do mundo, gerando processos formativos.           
            As experiências estéticas e os processos de criação são próprios da vida e dos corpos e podem acontecer nas situações cotidianas, mas nosso modo de existência produz distâncias entre o corpo e o que ele pode, sua potência e seus processos. O contato com as práticas artísticas e corporais recoloca o problema da aprendizagem sob a perspectiva da invenção:

[...] a arte não é um alvo, mas um atrator caótico, um ponto que é tendencial, sem ser fixo e sem possibilitar falar em regimes estáveis ou em resultados previsíveis. Colocar o problema da aprendizagem do ponto de vista da arte é colocá-lo do ponto de vista da invenção. A arte surge como um modo de exposição do problema do aprender (KASTRUP, 2001, p. 20).
           
Na Aprendizagem Inventiva, a invenção não é vista como algo raro e excepcional, privilégio exclusivo de artistas ou cientistas, está em nosso cotidiano e permeia o funcionamento cognitivo de todos nós. Sendo assim, concede a aprendizagem uma dimensão ético/moral e política, pois não negligencia aspectos afetivos, emocionais, sociais, políticos, etc.
Para Foucault (2006), os sujeitos não são uma substância, mas formas produzidas por jogos de poder e saber e se encontram em relações de produção e de significação que são complexas. Pesquisando as relações entre sujeito e verdade, o autor explorou as práticas do sujeito consigo mesmo, o cuidado de si e sua emergência no mundo grego.
Trata-se de práticas e ações pelas quais o sujeito, ele mesmo, se coloca em movimento, atuando daquilo que constitui os modos de subjetivação. Segundo Deleuze (2000, p. 123), Foucault estava se perguntando sobre a possibilidade da resistência: “transpor a linha de força, ultrapassar o poder, [...] seria como curvar a força, fazer com que ela mesma se afete, em vez de afetar outras forças: uma ‘dobra’, uma relação de força consigo”.

O cuidado de si remete ao conhecer em sentido ampliado como movimento da existência, já que não há acesso ao conhecimento sem uma transformação contínua de si mesmo. O cuidado de si é certamente o conhecimento de si [...], mas é também o conhecimento de um certo número de regras de conduta ou de princípios que são simultaneamente verdades e prescrições. Cuidar de si é se munir dessas verdades: nesse caso a ética se liga ao jogo da verdade (FOUCAULT, 2004, p. 269).

            Entretanto, diferente do que se sugere o termo, o cuidado de si não se trata de uma ação no isolamento, tão pouco individualista, não se restringe a um exercício na solidão. O cuidado de si constitui-se em uma prática social, nas relações complexas com o outro, já que para os gregos “aquele que cuidasse adequadamente de si era, por isso mesmo, capaz de se conduzir adequadamente em relação aos outros e para os outros” (FOUCAULT, 2004, p. 271).
Assim, o cuidado de si torna-se ponto de referência de uma estética da existência, constituição de um modo de ser e de se conduzir, que se completa em uma dimensão de ação, por meio das práticas de si. Essas práticas não são alguma coisa que o próprio sujeito invente, mas “esquemas que ele encontra em sua cultura, sua sociedade e seu grupo social” (FOUCAULT, 2004, p. 276); elas entram em conexão com a produção da vida como obra de arte e envolvem a criação de parcelas, ainda que pequenas, de mundos que se abrem em novas composições entre corpos. São outras sensibilidades, pensamentos e ações que implicam na imersão em um campo de experiências.

Fragmentos de relatos de prática

            As autoras nos apresentam 3 fragmentos de relatos com a expectativa de serem propositivas ao compor o mosaico que abrange os conceitos propostos no texto.
            Cada relato tratará de uma dimensão possível, no sentido de práticas possíveis, no cotidiano pedagógico.
            O primeiro fragmento nos apresenta a escrita como experiência de uma prática estética e o cuidado de si.
            A ideia é propor aos estudantes diferentes experimentações com as práticas corporais e estéticas, aqui especialmente as de escrita, explorando a mistura delas a fim de problematizar a respeito do “corpo em arte”. Dos procedimentos cabe mencionar que, inicialmente, agregam o acolhimento de todos, ou um modo de apresentar os participantes que instigue a atenção e o cuidado com o outro e consigo; depois, um aquecimento com exercícios de relaxamento e respiração para prepararmos o corpo para o “encontro” com a escrita; em seguida, definir um tema disparador para o trabalho da escrita – corpo e arte, por exemplo; explorar a prática propriamente dita, com exercícios de escrita (solta, sintética, objetiva, poética); observar sua escrita; olhar para e experimentar as escritas dos outros; narrar, escutar, conversar e trocar a respeito das diferentes experiências de escrita a fim de perceber o que cada um traz e instigar a troca de impressões a respeito do que foi realizado.
Trata-se de uma prática nos termos de uma “escrita de si” que não é uma prática descritiva do que aconteceu, mas uma prática que movimenta o pensamento (FOUCAULT, 2006). A formação aqui se transforma em uma prática estética, um campo de experimentação de si, como arte de viver (FOUCAULT, 2006, p. 146). Nesse campo, os exercícios de “escrita de si” produzem forças e funcionam como dispositivos capazes de acessar o inusitado, o intempestivo, o inenarrável do cuidado de si. E para perceber os fluxos que atravessam esta escrita, é preciso se deixar afetar, sem apego.
O segundo fragmento relata um trabalho de acompanhamento de um grupo de mulheres com diferentes desafios por meio de práticas corporais e estéticas realizadas em um equipamento de arte e cultura da região.
Durante o relato as autoras destacam o encontro dos estudantes com a D. Zefa, uma das mulheres acompanhadas durante o projeto.

“D. Zefa está com um xale amarelo, presente de uma aluna. Produz um novo corpo para este encontro. Nem sempre foi assim, nem há garantia de que seja nas próximas vezes. Há momentos em que é necessário tirá-la da cama, dar banho e vesti-la. Ela entra na van e fala: eu sou a mais nova aqui, sendo que ela é idosa e provavelmente nem sabe sua idade. Aquele corpo desdentado sorri quando diz: eu sou preta e você é minha filha branca, trazendo sua ancestralidade e a história, e lugar dos negros. Faz um gesto repetido de colocar as mãos no chão, com grande flexibilidade, para espanto de todos: foi o trabalho na enxada, diz, lá na minha terra. Estes gestos, também liberados pelas propostas realizadas, fazem surgir “asa parições”, os vários corpos que habitam D. Zefa. São os corpos que existem e os novos corpos que se tornam visíveis pelos dispositivos utilizados.”

No encontro do grupo de alunos e docentes com cada mulher busca-se instaurar um clima curioso e receptivo, exercitando um olhar que apreende o conjunto sem perder a singularidade nas propostas mais variadas: explorar objetos, lembrar de uma música, contar histórias, tocar outros corpos, brincar. Estas propostas são criadas a partir dos desejos e participação de todos e visam a exploração dos corpos, a ampliação da percepção e da sensibilidade, a instauração de um estado de presença.
O terceiro fragmento relata uma visita a uma exposição de artes e abordará os efeitos produzidos a partir das obras no público de estudantes.
A obra de Sophie Calle, Cuide de você, que esteve em exposição em São Paulo no Sesc Pompéia, coloca em foco as relações entre o cuidado e a criação artística. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma mensagem de e-mail recebida pela artista, na qual seu namorado rompia o relacionamento que havia entre eles. A mensagem terminava com um usual “cuide de você” - take care of yourself ou, na língua da artista, prenez-soin de vous -, como um “até mais” ou “nos vemos por aí”.
Recebi um email de rompimento. E não soube respondê-lo. Era como se ele não me fosse destinado. E terminava com as palavras: Cuide de você. Levei essa recomendação ao pé da letra. Pedi a 107 mulheres, escolhidas por sua profissão, para interpretar a mensagem por um ângulo profissional. Analisá-la, comentá-la, cantá-la, dançar com ela. Dissecar a mensagem. Esgotá-la. Compreender por mim. Responder no meu lugar. Uma maneira de ganhar tempo para romper. No meu ritmo. Cuidar de mim (CALLE, 2008, tradução nossa).”

            Ao compartilhar o e-mail recebido, as autoras apontam que Sophie pluralizou-se, reavivando em cada uma das receptoras do e-mail novas respostas, dores, que se multiplicam: pode-se atirar na carta, num gesto de precisão e violência, que quase nos provoca uma espécie de alívio; pode-se desabar sobre ela; pode-se interpretá-la, corrigi-la, traduzi-la para outras línguas, transportá-la para outros contextos; pode-se dançar com ela ou fazê-la desaparecer como num passe de mágica.
            No contexto da disciplina ministrada pelas autoras do relato, as visitas a exposições de arte e o contato com obras que encarnam, envolvem e desenvolvem um campo problemático, visam favorecer a experiência estética, a intensificação de desejo e a ativação da sensibilidade.
Aprendizagem é entendida aqui como um processo movido por desejo, interesses e capacidades, que provoca transformações e cria novas formas de ser, articulando a possibilidade de compartilhar conhecimentos e saberes e de construir caminhos próprios e singulares na pluralidade da existência humana.

           




Provocação 1:

            Tendo em mente que para Foucault o cuidado de si é um conjunto de práticas e técnicas que não se restringem a uma relação individual, mas, neste movimento, a relação com o outro, é possível identificarmos a leitura dos textos, debates e reflexões propostas no território do grupo como práticas de cuidado de si? Se sim, conseguiríamos aferir essa postura para além do momento do grupo? Ou seja, fora do espaço tempo/geográfico que o grupo acontece, poderíamos aferir vestígios dessa prática na nossa relação com os outros?             

Provocação 2:

            Pensando nas experiências de cada um e uma ao ministrar (ou participar de) aulas de Educação Física no contexto escolar, a partir dos relatos apresentados pelas autoras, como seriam as propostas para a Educação Física alinhadas a essa perspectiva de aprendizagem?



            


domingo, 28 de outubro de 2018

“Corpos outros: das artes de viver ao corpo heterotópico” - Intervenção MAPA 2018 - 02 a 04 Outubro


1 - Apresentação


No ano de 2016 um projeto de intervenção que ocorreria dentro da Faculdade de Educação Física da Associação Cristã de Moços de Sorocaba (FEFISO - ACM) no segundo semestre do referido ano, juntamente com a Mostra Anual de Projetos Acadêmicos (MAPA), foi elaborado pelxs membrxs do Grupo de Pesquisa em Pedagogia da Educação Física (GEPEF).
Ao pensarmos em uma intervenção e em um momento mais apropriado para que esta acontecesse, concluímos por negociá-la nos mesmos dias da amostra anual por alguns motivos: 1- a faculdade estaria recebendo um evento que a mobiliza integralmente; 2- nos dias do MAPA a circulação de pessoas de todos os períodos em horários variados é maior, além de contarmos com visitantes de outras faculdades/universidades ou ex-alunos; 3- trata-se de uma possibilidade de apresentação, desenvolvimento, prática de projetos que, como teve-se por exemplo em 2016, não se dá, necessariamente, através da relação entre palestrantes, ouvintes e conteúdo teórico: mas pode dirigir esse objetivo por outros formatos de linguagem. É o que ainda temos em mente ao apresentar “Corpos Outros”.
A intervenção acontece sem filiação ao GEPEF, o que, em outras palavras, traduz o nosso total desvencilhamento com a agenda oficial de eventos do grupo ou qualquer atividade que possa ser feita em nome dele: independente e inspirado nas discussões mensais, contará apenas com a ajuda dxs membrxs que se interessarem e tiverem disponibilidade para se voluntariar sem qualquer tipo de incentivo de natureza financeira ou de recompensa. O projeto acontecerá única e exclusivamente como uma espécie de laboratório ao qual temos a oportunidade de manifestação, resistência e/ou problematização.
Esse ano a apresentação versará com a temática do corpo, o que torna o nome bastante sugestivo: “Corpos Outros” quer representar o corpo outro; aquele corpo que não faz parte do “nós”; aquele que não é identificado como o “nosso”, mas como o “outro[1]”; aquela sombra que nunca abandonou a identidade, por mais hegemônica que fosse: excluída, posta para fora, rivalizada, atacada, interrompida, a diferença precisa ser representada. Não apenas representada no sentido de “estar junto”, “ser tolerada”, mas no sentido de que não precisa estar junto - é uma maneira dentre todas as possibilidades dos múltiplos (SILVA, 2014)

2 - Problema e justificativa


Dá-se de forma bastante nítida nos dias contemporâneos a representação daquelxs que, antes, tinha-se como “minoria” (aqui, propositadamente, referimo-nos ao termo em aspectos quantitativos) - expressão que se apresenta, na maioria dos contextos, pejorativa. Seja pela televisão ou pelas mídias digitais, os irrepresentáveis começam a tomar o espaço; a profanar as fronteiras sagradas; a reivindicar uma zona comum a todxs, desencadeando efeitos ferrenhos de resistência e de intolerância.
Acompanhamos diariamente casos de violência, racismo e intransigência. Uma leitura mesmo que aligeirada dos jornais diários nos mostram os números alarmantes de violência contra xs LGBT’s; em um círculo social consideravelmente pequeno encontramos diversos relatos de machismo exacerbado, seja entre casais, ou entre desconhecidos; a intolerância religiosa também deixa sua marca em guerras infindáveis que atingem aquelxs com menor representatividade; temos a ciência de que a presença da população considerada negra nas universidades, apesar de seu aumento considerável, ainda é bastante baixa se comparada à população considerada caucasiana; a “outra cultura” é sempre tematizada em momentos festivos, como mística, esotérica, alvo de chacota. Contudo, o que faz de nós, nós? O que faz delxs, elxs?
De certo que os argumentos dispostos sobre a não-violência são importantes, porém, é preciso que pensemos também sobre a questão da visibilidade, da existência, do direito assegurado de poder “tornar-se” infinitamente em algo que extrapole a normatividade regulada pelas relações de poder que, aliás, também sucumbem aos jogos de força intrínsecos do social. Para nós, a exclusão também constitui-se em um problemática digna e necessária de ser abordada.
A saber, levantamos tais questionamentos com o devido cuidado de, ao nos indignarmos frente atitudes discriminatórias, não enveredar para um campo de condutas normativas outras. Ou seja, não se trata de, em detrimento de uma, outra. Mas, de tomarmos uma postura crítica aos discursos vigentes sejam eles excludentes ou - também não desconsideramos essa questão - ditos como inclusivos. Portanto, o que pretendemos com a intervenção é fazer circular modos de viver outros frente aqueles dados como possibilidades únicas, permitidos, consentidos, belos.
“(...) é a pedagogia que veicula grande parte dessas instruções de existência. Há também tudo o que podemos chamar de estereótipos sociais, que, por intermédio da literatura, da escrita ou da imagem, dão modelos de bom comportamento. É preciso dizer ainda que o que chamamos de ciências humanas, em qualquer nível de utilização que as tomemos, do mais baixo ao mais alto, também veicula, de modo mais ou menos explícito, esquemas considerados os bons esquemas da existência, os bons modelos de conduta.”  (FOUCAULT, 2016. pág.27)
O termo “outro”, ou “diferença” nos leva a duvidar que o problema da minoria[2] esteja ligada à inferioridade numérica; somos conduzidxs a cogitar, na verdade, um posicionamento outro dessa minoria em relação à maioria, à identidade: ainda mais quando essa “maioria” é heterossexual; branca; masculina; cristã (SILVA, 2017). Logo, acreditamos que o paradoxo fixado não se resolverá através da exposição de números ou de gráficos, mas através da exposição das relações de poder intrínsecas à determinado meio social. Contudo, nosso objetivo far-se-á menor: transitar, habitar essa fronteira do que não se representa e não se deve representar; do erro; do mau; da perturbação da normalidade.
Nosso problema está alocado justamente nesta ponte que nos difere: a representação do outro, do corpo outro. O Corpo-Outro não faz menção apenas à substância, ao material, mas a existência, àquilo que se rejeita e que “não deve estar ali”. O Corpo-Outro é a cor da pele; é o cabelo; o desejo; a atração; é aquelx que escreveu e não se viu; é aquelx que morreu e não se conhece. O Corpo-Outro não se trata apenas do mecanismo, mas dos fluxos que atravessam: repressivos, libertadores, tristes, alegres.
            Sendo assim, o corpo destituído de uma perspectiva tão somente estética ou se preferirem, substancial, desejamos provocar e pensar no corpo enquanto político, inserido em um conjunto de ditos e escritos acerca dele. Sobre um desejo de verdade do que ele deva ser, aparentar, comunicar.
 Entendemos, portanto, que há um conjunto de saberes que baliza aquilo que podemos chamar de apropriado, seja para o corpo, para a relação com o mesmo ou da relação com o outro. Eis aí, em nosso ponto de vista, aquilo que podemos dizer sobre a categorização do nós, elxs, outros. Uma pedagogia do corpo colocada em circulação cotidianamente seja através da arte, ciência, mídia, religião e/ou escolarização. Uma estrutura de pensamento cuja a representação, entendemos, ser provisória e, portanto, passível de problematização.

3 - Desdobramentos pós intervenção

Algumas questões, problemas fora do textual, nos ajudam a pensar e a propor: seremos invisíveis? Haverá resistência? Como não representar a identidade? Nosso movimento é classificatório? Em que medida podemos falar ou representar o “outro”?
Ao pensarmos em uma possibilidade de corpos outros, estamos pensando especificamente na possibilidade de relacionar o conceito de heterotopia proposto por Foucault (2013). A saber, uma noção de transgredir a subjetividade de um determinado local, lugar, espaço. Não se trata de substituir o espaço, e sim, empregar um olhar diferente sobre o mesmo espaço. Buscar lugares diferentes do aqui e agora.
Com relação ao corpo, o movimento do pensamento é o mesmo. Ou seja, não se trata de substituirmos o corpo identidade, mas, a partir do processo de significação, implodir com a identidade promovendo novas subjetivações e possibilidades de ser. 
É claro que a noção de heterotopia também pode ser pensada enquanto postura. E, neste caso, adotarmos uma postura heterotópica é enxergar - além da(s) identidade(s) produzida(s) arbitrariamente ao longo do tempo - as  mudanças nas possibilidade de ser enquanto corpo. Referimo-nos neste caso aos corpos tatuados, modificados, entre outros.
Propor uma intervenção a partir de imagens de corpos outros é, em última instância, buscar fragmentos dessas subjetivações acerca do corpo. Do dito sobre o corpo. Do aceito enquanto corpo. Tornar visível o que é visível e, a partir dessa visibilidade, pensar o corpo contemporaneamente.  
Buscaremos, após a coleta das impressões sobre a intervenção, analisar os dados registrados pelxs participantes e, em conjunto com o GEPEF, nos debruçarmos sobre essas questões. 

4 - Referências bibliográficas

FOUCAULT, M. Subjetividade e verdade: curso no Collège de France (1980-1981) / Michel Foucault; edição estabelecida por Frédéric Gros sob direção de François Ewald e Alessandro Fontana; Tradução Rosemery Costhek Abílio. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016 - (Coleção obras de Michel Foucault)

FOUCAULT, M. O corpo utópico; As heterotopias / Michel Foucault; Posfácio de Daniel Defert; Tradução Salma Tannus Muchail. São Paulo: n1 Edições, 2013

NEIRA, M. G. O currículo cultural da Educação Física: por uma pedagogia das diferenças. In: NEIRA, M. G. NUNES, M. L. F. Educação Física cultural: por uma pedagogia da(s) diferença(s). Curitiba: CRV, 2016. p. 65-104.

SILVA, T. T. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais / Tomaz Tadeu da Silva (org.). Stuart Hall, Kathryn Woodward. 15. ed - Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo / Tomaz Tadeu da Silva. - 3. ed; 9. reimp. - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. 156p.

SOARES, C. Pesquisas sobre o corpo: ciências humanas e educação / Carmen Soares (org.). Campinas, SP: Autores Associados; São Paulo> FAPESP, 2007 - (Coleção educação física e esportes)




[1] “O Outro é o outro gênero, o Outro é a cor diferente, o Outro é a outra sexualidade, o Outro é a outra raça, o Outro é a outra nacionalidade, o Outro é o corpo diferente” (SILVA, 2000 apud NEIRA, 2016, p.71).
[2] Aqui entendida como representatividade, o termo minoria trata especificamente de grupos que, dentro de uma estrutura de saber/poder são posicionados à margem das possibilidades de ser. Interditadas, censuradas ou estigmatizadas, para sermos mais precisos.